Tempo de Curar



Muitas vezes nos sentimos ansiosos, obcecados pelas posses e pelo poder. Esta é uma enfermidade do espírito. E precisamos de cura.

por Fritz Guy

Para refletirmos sobre o valor e o sentido do sábado, o melhor é começar no tempo do ministério de Jesus. Analisaremos seis incidentes relacionados com o sábado, no ministério terrestre de Cristo, e então, tentaremos mostrar como o sábado pode contribuir para a cura de algumas de nossas mais obstinadas mazelas espirituais.

Seis incidentes – todos no sábado

1. O homem da mão ressequida. Em uma sinagoga surgiu a questão: “É lícito curar no sábado?” Jesus respondeu: “Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado esta cair numa cova, não fará todo esforço, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha?”1

2. A mulher encurvada por dezoito anos. Enquanto ensinava na sinagoga em outra ocasião, Jesus curou uma mulher que por 18 anos não conseguia andar ereta. O líder da sinagoga, indignado, disse ao povo: “Seis dias há em que se deve trabalhar; vinde pois nesses dias para serdes curados, e não no sábado.”2

3. Um homem com inchaço. Jesus foi convidado a comer em casa de um importante fariseu em dia de sábado, e notou a presença de um homem hidrópico. Perguntou, então aos mestres das Escrituras e aos demais, se era lícito, ou não, curar no sábado. Então, mais uma vez perguntou: “Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará logo, mesmo em dia de sábado?”3

4. Um homem paralítico por trinta e oito anos. No tanque de Betesda, em Jerusalém, Jesus disse a um homem doente: “Levanta-te, toma o teu leito e anda.” Ao obedecer, o homem foi interpelado por pessoas que diziam estar ele desobedecendo às exigências do Torah ao carregar seu leito em dia de sábado.4

5. Um homem cego de nascença. Quando um homem que havia sido cego desde seu nascimento, foi inquirido acerca de sua repentina cura, respondeu que Jesus havia feito barro e havia colocado esse barro sobre seus olhos, ordenando que fosse lavá-los no tanque de Siloé. Então, alguns fariseus disseram: “Esse Homem não é de Deus, porque não guarda o sábado.”5

Fica claro que Jesus considera o sábado como um dia de cura.6 Cuidar dos enfermos, tanto no físico quanto no espírito, é, em princípio, uma boa maneira de observar o sábado, uma boa maneira de usar o sagrado tempo do sábado.

6. “Certo sábado, Jesus estava atravessando um campo de trigo, e Seus discípulos começaram a catar grãos para comer. Alguns fariseus disseram a Jesus: “Vê! por que fazem o que não é lícito aos sábados?

“Mas Ele lhes respondeu: Nunca leste o que fez Davi, quando se viu em necessidade, e teve fome, ele e os seus companheiros?

“E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do homem é Senhor também do sábado.”7

Dentre os ensinamentos de Jesus, quanto se saiba, esta foi a coisa mais importante que Ele falou acerca do sábado: “O Filho do homem é Senhor também do sábado.” O sábado não é só um período de tempo para curar a outros, mas, também, para experimentarmos nossa própria cura. Na verdade o sábado pode curar algumas de nossas mais obstinadas mazelas espirituais.

Coisas que nos esmagam – Entre as enfermidades do espírito que mais nos assediam, estão a ansiedade e a obsessão. Menciono estas duas, porque, na maior parte do tempo, elas são como os dois lados de uma mesma moeda: nossas obsessões são a desventurada expressão de nossas ansiedades.

Eis aqui quatro enfermidades comuns:

• Ficamos ansiosos por obter posses, e obcecados por adquiri-las. Parece que nunca temos o suficiente, então continuamos comprando e acumulando coisas. Temos que admitir que queremos viver tão bem quanto possível, e nos preocupamos com as cotações do mercado de valores.

Às vezes chamamos isto de “materialismo”, sendo que na verdade isto não passa de “consumismo”. Quando nos sentimos mal, animamo-nos comprando alguma coisa; quando nos sentimos bem, comemoramos comprando alguma coisa. E nesse negócio, podemos estar certos de que nossa cultura nos oferece o máximo de encorajamento. Um norte-americano típico preferiria comprar a partilhar.

• Ficamos ansiosos acerca de nosso desempenho, e obcecados por realizações. Preocupamo-nos com nossa produtividade e realizações. Avaliamos o desempenho uns dos outros e nos preocupamos com nosso próprio desempenho – profissional, espiritual e até mesmo sexual.

A ansiedade gerada pelo desempenho está em todos os lugares: Como estamos nos saindo? Será que estamos nos saindo suficientemente bem? Estamos nos esforçando o suficiente? Trabalhamos com o necessário dinamismo? O que poderíamos estar fazendo que ainda não estamos fazendo?

• Ficamos ansiosos acerca de nossa posição e obcecados por nossa imagem. Preocupamo-nos com o que os outros pensam de nós, e o que pensam ou possam pensar motiva, em grande parte, o que fazemos. Uma vez ou outra, todos nós já perguntamos: “O que é que o vizinho vai pensar?” ou, “o que é que os membros da igreja vão pensar?” ou, “o que é que meus colegas vão pensar?”

Até certo ponto, é claro, isto é saudável, pois a preocupação com nossa imagem estimula o bom comportamento que poderia não ocorrer em outras circunstâncias. Lembro-me de que, quando eu era criança, minha mãe costumava mandar que deixássemos a casa arrumada antes de ir para a cama. Ela dizia: “Se de repente a casa pegar fogo e os bombeiros tiverem que entrar, não quero que pensem que sou uma dona de casa desordeira.”

Muitas pessoas têm uma consciência exagerada acerca de sua imagem, e isto é nocivo. Em grande parte nossa desonestidade diária é motivada pelo desejo de proteger uma imagem. Alguém está atrasado para um compromisso e culpa o trânsito quando, na verdade, dormiu demais. Um jovem advogado de uma grande empresa em Los Angeles contou-me que seus colegas de trabalho com freqüência trabalham muitas horas além das determinadas pelo empregador, não porque precisem (ou queiram) ganhar mais dinheiro, mas porque precisam (e querem) parecer importantes. Em casos extremos, pessoas que não conseguem aceitar a perda do status, ou uma imagem deslustrada, tentam escapar da situação cometendo suicídio.

• Ficamos ansiosos acerca de nossa autoridade e obcecados pelo controle. Não queremos apenas controlar nossa própria vida; queremos, também, numa ilusão extravagante, controlar a vida de outros. Às vezes, é claro, os pais precisam exercer autoridade. Todo pai, alguma vez já disse, zangado: “Porque eu mandei! Por isso!” Pode ser que não seja possível fazer uma criança de cinco anos entender por que chegou a hora de ir para a cama.

Mas, com uma freqüência exagerada – na família, em instituições, no governo – “Porque eu mandei” parece ser a única razão. Quando manter a autoridade e o controle passa a ser a razão principal para se fazer ou dizer alguma coisa, é hora de repensar nossos valores.

Quantas guerras – nacionais, eclesiásticas, e institucionais – são travadas devido a controvérsias sobre autoridade e controle! A vida em comunidade nunca é simples, e tenho observado que a maior parte das batalhas teológicas se complicam devido a questões de autoridade.

A cura – O sábado oferece a possibilidade de cura para todas essas enfermidades do espírito.

• Para nossa ansiedade acerca das posses e nossa obsessão por adquiri-las, o sábado é um período em que coisas passam a ter menos importância. O tempo do sábado nos liberta do objetivo de ganhar dinheiro para pagar coisas – coisas feitas de tijolos e estuque, coisas de seda e lã, coisas movidas a cavalos de força. O sábado é um tempo em que não temos que nos preocupar com o pagamento de contas, com a lavagem do carro, com as compras de supermercado, com a limpeza dos arredores da casa, ou com a limpeza do interior da casa.

O sábado é um tempo para os relacionamentos essenciais que fazem de nós aquilo que somos – relacionamento com Deus, com a família e amigos, com toda a família humana, e com toda a obra da criação. Esses relacionamentos promovem nossa identidade e dão verdadeiro significado à nossa vida.

• Para a ansiedade acerca do nosso desempenho, e para a obsessão pelas realizações, o tempo do sábado é tempo para desfrutarmos da espiritualidade. Não é, primariamente, um tempo para fazer, mas para ser. A palavra “sábado” é a forma aportuguesada da palavra hebraica shabbat, que está relacionada com um verbo que significa parar, cessar, desistir – deixar de fazer.

• Na história da criação, o sábado de Deus surgiu quando Ele completou Seu trabalho. E isto não dá a idéia de que Ele estivesse precisando Se recuperar, mas de que Deus ficou satisfeito e queria comemorar. O sábado de Deus foi um período usado para vivenciar e desfrutar, apreciar e confirmar o resultado da divina criação.

Para nós, o sábado é um tempo durante o qual recordamos, confirmamos e desfrutamos do significado de sermos seres humanos, criados à imagem de Deus. É um tempo que me leva a recordar e desfrutar o fato de que o significado da minha vida não depende do quanto consigo realizar ou adquirir, ou produzir; nem da maneira como desempenho meu papel de professor e erudito, ou de esposo e pai. O sábado é um tempo não para fazer, mas para ser; um tempo para relembrar que não sou um fazedor humano, mas um ser humano. O sábado é um tempo para se apreciar a realidade que Deus criou, para se descobrir, por experiência, sua beleza e variedade, sua delicadeza e seu poder. É um tempo para se desfrutar a virtude da existência, e do fato de sermos seres humanos – parte de uma família de parentes, amigos e companheiros, pertencentes a uma comunidade de fé.

Esse tipo de vivência é verdadeiramente curativo. É como disse Abraham Heschel mais de um século atrás: “Uma oportunidade para emendar nossa vida esfarrapada.”8

• Para a ansiedade acerca de nossa posição e obsessão com nossa imagem, o sábado é um período durante o qual temos a oportunidade de relembrar que o significado da vida vem do relacionamento de Deus conosco. Deus nos ama e nos considera parte da família, e, no sábado nos lembramos de que somos um fim e não um meio, que nossa existência é um presente de Deus para nós e para outros. O sábado nos faz lembrar e reafirmar os valores fundamentais que determinam a qualidade de nossa vida.

Isto também promove cura. Tomando emprestada outra metáfora de Heschel, o sábado nos tira da lama de nossa existência.9

• Para a ansiedade acerca de nossa autoridade e obsessão pelo controle, o sábado é um período separado para a gratidão. Como diz um dos meus amigos, o sábado nos faz lembrar que nós mesmos somos o próprio presente de Deus, e não pessoas que se fazem a si mesmas. Nós não criamos a nós mesmos. Não somos deuses; somos criaturas. Alguém teve que trocar nossas fraldas, e limpar nossa baba. Tivemos que ser carregados de um lado para outro. Éramos criaturas totalmente indefesas.

A consciência deste fato tira muitos fardos de nossos ombros – o fardo da perfeição, do controle, de brincar de deus (para nós mesmos e para outros). Isto também nos ajuda a ser um pouco mais humildes. E você conhece o ditado – não existe humilhação para o humilde. Portanto, ficamos livres de algumas das dores que a vida traz, e isto promove paz e cura interior.

O sábado é um período em que podemos valorizar as ricas bênçãos que recebemos na vida. Quando paramos para pensar nas inúmeras graças que temos recebido, é mais difícil nos preocuparmos com o fato de termos, ou não, autoridade.

Portanto, o sábado é um tempo para nos ocuparmos com os relacionamentos que fazem de nós o que somos; tempo para apreciar a alegria de sermos seres humanos no mundo de Deus; tempo para reafirmar os valores que determinam a qualidade moral de nossa vida; tempo para agradecer a Deus todos os presentes que Ele nos dá.

Não resta dúvida de que o sábado é um tempo para cura – cura de outros e nossa própria.

Referências:
1. Ver Mat. 12:9-14; Mar. 3:1-6; Luc. 6:6-11.
2. Ver Luc. 13:10-17.
3. Ver Luc. 14:1-6.
4. Ver João 5:2-18.
5. Ver João 9:1-17.
6. John C. Brunt, A Day for Healing: The Meaning of Jesus' Sabbath Miracles (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn., 1981).
7. Ver Mar. 2:23-28.
8. Abraham Joshua Heschel, The Sabbath: Its Meaning for Modern Man (New York: Farrar Straus, 1952), pág. 18.
9. Ibidem, pág. 29.
Fritz Guy é professor de Teologia e Filosofia na Universidade de La Sierra, Riverside, Califórnia, EUA.

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